30 de dezembro de 2009

Minhas Férias


Durante estas férias eu estou lendo alguns livros que não tive tempo de ler durante o ano letivo: nenhum teológico. Terminei de ler, pela segunda vez, a Saga Crepúsculo (e gostei mais desta segunda vez do que da primeira); e agora estou lendo As Crônicas de Nárnia. E mesmo com uma narrativa infantil dos fatos, Nárnia me faz chorar (além de dar risadas e abrir um leque muuito grande para a fantasia).

Hoje a tarde, a poucos minutos atrás, terminei mais um capítulo de O Cavalo e seu Menino. Eu amei o encontro de Aslam com Shasta.

Um pouco de contextualização:
"Devo ser o cara mais desgraçado de todo o mundo" - pensou. "Tudo dá certo com os outros, comigo nunca. Os nobres e as damas de Nárnia conseguiram fugir de Tashbaan; eu fiquei lá. Aravis, Bri e Huin estão no bem-bom com o velho eremita; fui o único a ter de sair. O rei Luna e sua gente estão a salvo no castelo, com os portões bem fechados, mas eu fiquei de fora".

(...) Um susto interrompeu seus tristes pensamentos.
....................................................
- Quem é você? - murmurou baixinho.
- Alguém que esperava ouvir por sua voz. - respondeu a coisa.
(...)
- Você não é...não é uma coisa morta...é? (...)
Sentiu novamente o hálito quente da coisa no rosto e na mão.
- Morto não respira assim. Pode me contar as suas tristezas, rapaz.
O hálito deu a Shasta um puco mais de confiança. Contou então que jamais conhecera seu pai e mãe, que fora criado por um pescador muito severo. Contou como fugira, sobre os leões que os perseguiram, os perigos em Tashbaan, a noite entre os túmulos, as feras que uivaram no deserto, o calor e a sede durante a caminhada, e o outro leão que surgiu quando estavam quase chegando, Aravis ferida...Contou, por fim, que estava com fome, pois não comia nada havia muito tempo.
- Não acho que seja um desgraçado - disse a grande voz.
- Mas não foi falta de sorte ter encontrado tantos leões?
(...)
- Só há um leão, mas tem o pé ligeiro.
- Como sabe disso?
- Eu sou o leão.
Shasta escancarou a boca e não disse nada. A voz continuou:
- Fui eu o leão que o forçou a encontrar-se com Aravis. Fui eu o gato que o consolou na casa dos mortos. Fui eu o leão que espantou os chacais para que você dormisse. Fui eu o leão que assustou os cavalos a fim de que chegassem a tempo de avisar o rei Luna. E fui eu o leão que empurrou para a praia a canoa em que você dormia, uma criança quase morta, para que um homem, acordado a meia-noite, o acolhesse".
fim da contextualização

O capítulo termina em seguida, mas esse diálogo com o Leão é fabuloso. Lembro-me sempre Natã e Davi quando vejo um "Shasta", quando Natã diz: "Este homem é você, Davi". Somos nós em Shasta pensando que em momentos de AZAR em nossa vida Deus não está. Pensamos "Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a DEUS" (Rm 8.28.) ... E achamos que realmente TUDO DE BOM deve andar ao nosso lado. Alguns pensam que não haverá dificuldade financeira, doença, morte, desemprego, desilusões, traições, solidão... porque acham que isso pode caber aos filhos de Deus.

Pensemos em Shasta. Quantos motivos para achar que tudo estava dando errado na vida dele, quando o Leão lhe diz que tudo estava nas mãos do dEle: o encontro com Aravis, o gato, a perseguição dos leões (que eram só um).

Deus não está alheio ao que nos acontece, nós que estamos alheios dos cuidados de Deus.

FELIZ ANO NOVO PARA TODOS.

9 de dezembro de 2009

Devorador !


"A luxúria é como um macaco que vive remexendo no nosso ventre. Não importa o quanto o domemos durante o dia, ele aparece com sua fúria em nossos sonhos à noite. Quando achamos que estamos salvos, eis que ele ergue a cabeça medonha e dá uma risadinha, e não há rio no mundo cujas correntes sejam frias e fortes o suficiente para abatê-lo. Deus Todo-Poderoso, porque adornas os homens com um brinquedo tão odioso?". Todos nós podemos nos identificar com o questionamento de Buechner. Mas alguns se identificam mais profundamente, mais desesperadamente do que outros. Eles gritam pedindo socorro, mas os céus parecem não dar ouvidos. Sentem as tormentas da tentação sexual dia e noite. Rejeitam o adultério por convicção cristã, mas sentem-se compelidos a um voyeurismo sem graça para satisfazer o forte desejo íntimo. Porém, em lugar de satisfazer, esta iniciativa serve apenas para inflamar ainda mais os desejos, mais ou menos como levar uma pessoa como levar uma pessoa faminta para passear na frente de uma confeitaria. A indulgência é seguida de culpa e remorso, que é seguida de mais indulgência e mais culpa e mais remorso.

Precisamos ser tardios para condenar e prontos para ouvir todos os que são atormentados pela lascívia. As tentações são enormes em nossa cultura saturada de sexo. A distorção de nossa sexualidade em luxúria pode tomar um rumo muito complicado, tortuoso. Somente pela graça de Deus e pelo apoio amoroso da comunidade cristã é que nossa sexualidade inflamada pela luxúria pode ser recolocada na perspectiva correta".
- Dinheiro, Sexo e Poder, por Richard Foster, página 110/111.

1 de dezembro de 2009

Nus e Não Envergonhados


Este é o subtítulo do capítulo do livro que estou lendo para um trabalho de Apologética: Dinheiro, Sexo e Poder- de Richard J. Foster.


Deixo, na íntegra, para quem quiser ler.
Ósculos e Amplexos

"Deus falou e toda a criação passou a existir, com excessão dos seres humanos(*). Para criar Adão, o Senhor tomou o pó da terra e soprou vida em suas narinas (Gn 2:7). Essa união do pó da terra com o fôlego divino oferece-nos uma das melhores descrições da natureza humana. Deus não trouxe Eva à existência por meio de uma simples palavra, como se ela fosse parte de uma realidade não humana; tampouco soprou o pó, como se ela fosse uma criação não relacionada ao homem. Deus usou a costela de Adão para sublinhar sua interdependência - "osso dos meus ossos e carne da minha carne", conforme Adão expressou. Os dois entretecidos, interdependentes, entrelaçados: sem nenhuma rivalidade feroz, sem nenhuma superioridade hierárquica de um sobre o outro, sem nenhuma autonomia independente. Que lindo quadro!
Em seguida, deparamo-nos com o estabelicimento de um pacto de fidelidade que estabelece o padrão para o casamento amadurecido: "Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne" (Gn. 2:24). Essa é realmente uma declaração extraordinária. Dada a intensidade da cultura patriarcal, é extraordinário o fato de um autor bíblico falar em o homem "deixar" e "unir-se". A seguir, a Bíblia descreve sua união como sendo uma realidade de "uma só carne", uma frase à qual Jesus empresta profundidade e riqueza em seu ensinamento.
Por fim, a cena chega ao final com o mais revigorante comentário de todos: "O homem e sua mulher viviam nus, e não sentiam vergonha" (Gn 2:25). Temos aqui um quadro idílico de um par cuja sexualidade estava integrada no todo de suas vidas. Não havia vergonha porque havia inteireza. Havia uma unidade orgânica em seu íntimo, assim como havia com o restante da Criação. Lewis Smedes escreveu: "Existm duas situações nas quais as pessoas não sentem vergonha. A primeira é em um estado de inteireza. A outra é em um estado de ilusão".¹ Nus e não envergonhados - uma cena magnífica.
Você percebeu que o erotismo não contaminado pela vergonha existia antes da queda? A queda não criou eros; apenas o perveteu. Na história da Criação, vemos o homem e a mulher atraídos um para o outro, nus e não envergonhados. Sabem que sua masculinidade e sua feminilidade são obra das mãos de Deus, assim como o afeto apaixonado de um pelo outro. Também suas diferenças os unem; são homem e mulher, mas são também uma só carne. Os dois num relacionamento, em amor - por que deveria estar presente a vergonha? Sua sexualidade é criação de Deus.

Todos conhecemos a trágica conclusão da história, de como o homem e a mulher rejeitaram o caminho de Deus. E o veneno daquela queda a tudo permeou. Ele abriu uma brecha no relacionamento entre Deus, Adão e Eva. Azedou até mesmo o relacionamento conjugal. Na linguagem da maldição, o homem "a dominará" (Gn 3:16). Jamais podemos esquecer o fato de que o domínio das mulheres por parte dos homens, que enche nossos livros de História e eventos atuais, não faz parte da boa Criação de Deus, mas é consequência da queda; daí a tensão, o conflito, a hierarquia. Conforme observou David Hubbard, desde a queda "a vida humana tem vacilado entre o feminismo voraz que compete com o homem e o cego domínio do homem sobre a mulher, que degrada a personalidade e detrói o companheirismo".
O resultado para a sexualidade humana tem sido, conforme comenta Karl Barth, uma vacilação entre o erotismo iníquo, por um lado, e uma iníqua ausência de erotismo, por outro. Que tragédia! Contudo, o testemunho cristão é o de que, com a presente chegada do Reino de Deus, estamos (de certa forma) qualificados para passar pela espada chamejante e entrar no Paraíso de Deus e viver em relações eróticas justas.²
Em Cristo, afirmamos plenamente a nossa sexualidade, e mediante o poder do evangelho, damos as costas à perversão.

-----------------------------------------------------------------------

*Barth acha que a segunda narrativa da criação (Gn 2:18-25) tem como propósito básico preencher o tema de nossa criação como homens e mulheres, de forma que é, em certo sentido, um comentário a respeito de Gênesis 1:27.
1 Lewis B. Smedes. Sex for Cristhians [Sexo para cristãos]. Grand Rapids: Eerdmans, 1976, p.47
2 O restrito "de certa forma" é um reconhecimento da complexidade e da tragédia da condição humana. Embora o Reino de Deus "já está aqui", também "ainda não está". Ainda que, em muitas áreas da vida, tenhamos experimentado o toque redentor de Deus, outras permanecem intactas, e precisamos viver na expectativa da contínua "salvação do Senhor". Isso é tão real em nossa sexualidade quanto todas as áreas da vida.