1 de dezembro de 2009

Nus e Não Envergonhados


Este é o subtítulo do capítulo do livro que estou lendo para um trabalho de Apologética: Dinheiro, Sexo e Poder- de Richard J. Foster.


Deixo, na íntegra, para quem quiser ler.
Ósculos e Amplexos

"Deus falou e toda a criação passou a existir, com excessão dos seres humanos(*). Para criar Adão, o Senhor tomou o pó da terra e soprou vida em suas narinas (Gn 2:7). Essa união do pó da terra com o fôlego divino oferece-nos uma das melhores descrições da natureza humana. Deus não trouxe Eva à existência por meio de uma simples palavra, como se ela fosse parte de uma realidade não humana; tampouco soprou o pó, como se ela fosse uma criação não relacionada ao homem. Deus usou a costela de Adão para sublinhar sua interdependência - "osso dos meus ossos e carne da minha carne", conforme Adão expressou. Os dois entretecidos, interdependentes, entrelaçados: sem nenhuma rivalidade feroz, sem nenhuma superioridade hierárquica de um sobre o outro, sem nenhuma autonomia independente. Que lindo quadro!
Em seguida, deparamo-nos com o estabelicimento de um pacto de fidelidade que estabelece o padrão para o casamento amadurecido: "Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne" (Gn. 2:24). Essa é realmente uma declaração extraordinária. Dada a intensidade da cultura patriarcal, é extraordinário o fato de um autor bíblico falar em o homem "deixar" e "unir-se". A seguir, a Bíblia descreve sua união como sendo uma realidade de "uma só carne", uma frase à qual Jesus empresta profundidade e riqueza em seu ensinamento.
Por fim, a cena chega ao final com o mais revigorante comentário de todos: "O homem e sua mulher viviam nus, e não sentiam vergonha" (Gn 2:25). Temos aqui um quadro idílico de um par cuja sexualidade estava integrada no todo de suas vidas. Não havia vergonha porque havia inteireza. Havia uma unidade orgânica em seu íntimo, assim como havia com o restante da Criação. Lewis Smedes escreveu: "Existm duas situações nas quais as pessoas não sentem vergonha. A primeira é em um estado de inteireza. A outra é em um estado de ilusão".¹ Nus e não envergonhados - uma cena magnífica.
Você percebeu que o erotismo não contaminado pela vergonha existia antes da queda? A queda não criou eros; apenas o perveteu. Na história da Criação, vemos o homem e a mulher atraídos um para o outro, nus e não envergonhados. Sabem que sua masculinidade e sua feminilidade são obra das mãos de Deus, assim como o afeto apaixonado de um pelo outro. Também suas diferenças os unem; são homem e mulher, mas são também uma só carne. Os dois num relacionamento, em amor - por que deveria estar presente a vergonha? Sua sexualidade é criação de Deus.

Todos conhecemos a trágica conclusão da história, de como o homem e a mulher rejeitaram o caminho de Deus. E o veneno daquela queda a tudo permeou. Ele abriu uma brecha no relacionamento entre Deus, Adão e Eva. Azedou até mesmo o relacionamento conjugal. Na linguagem da maldição, o homem "a dominará" (Gn 3:16). Jamais podemos esquecer o fato de que o domínio das mulheres por parte dos homens, que enche nossos livros de História e eventos atuais, não faz parte da boa Criação de Deus, mas é consequência da queda; daí a tensão, o conflito, a hierarquia. Conforme observou David Hubbard, desde a queda "a vida humana tem vacilado entre o feminismo voraz que compete com o homem e o cego domínio do homem sobre a mulher, que degrada a personalidade e detrói o companheirismo".
O resultado para a sexualidade humana tem sido, conforme comenta Karl Barth, uma vacilação entre o erotismo iníquo, por um lado, e uma iníqua ausência de erotismo, por outro. Que tragédia! Contudo, o testemunho cristão é o de que, com a presente chegada do Reino de Deus, estamos (de certa forma) qualificados para passar pela espada chamejante e entrar no Paraíso de Deus e viver em relações eróticas justas.²
Em Cristo, afirmamos plenamente a nossa sexualidade, e mediante o poder do evangelho, damos as costas à perversão.

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*Barth acha que a segunda narrativa da criação (Gn 2:18-25) tem como propósito básico preencher o tema de nossa criação como homens e mulheres, de forma que é, em certo sentido, um comentário a respeito de Gênesis 1:27.
1 Lewis B. Smedes. Sex for Cristhians [Sexo para cristãos]. Grand Rapids: Eerdmans, 1976, p.47
2 O restrito "de certa forma" é um reconhecimento da complexidade e da tragédia da condição humana. Embora o Reino de Deus "já está aqui", também "ainda não está". Ainda que, em muitas áreas da vida, tenhamos experimentado o toque redentor de Deus, outras permanecem intactas, e precisamos viver na expectativa da contínua "salvação do Senhor". Isso é tão real em nossa sexualidade quanto todas as áreas da vida.

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