26 de março de 2017

Assim diz a Bíblia..

Ontem, eu terminei minha leitura de Mark Twain: As Aventuras de Huckleberry Finn. E, antes do final, uma passagem chamou minha atenção.

Uma polêmica do livro é que ele apresenta a escravidão. Huck Finn vive suas aventuras com o escravo negro Jim e, as expressões que são usadas para denotar este personagem: "negro", "preto", "escravo" etc. Se você não é um racista, estas expressões são grotescas. Porém, deixando de lado as palavras, a história de Jim com Huck Finn é um ensino sobre como é ser ser humano. O menino, criado em um ambiente escravocrata, logo chega ao dilema que o deixa confuso. Ele tem duas opções, entregar Jim para sua dona - a senhorita Watson - e deixá-la vender Jim, desta forma o separando da família que vive na fazenda vizinha; ou esconder Jim com ele e torná-lo livre.

Uma hora eu falei pra mim mesmo que ia ser mil vezes melhor pra Jim ser escravo em casa onde tava a sua família, já que ele tinha que ser escravo, e assim o melhor era eu escrever uma carta pra Tom Sawyer e dizer pra ele contar pra srta. Watson onde é que Jim tava. Mas logo abandonei essa ideia, por duas razões: ela ia ficar brava e desgostosa com a malandragem e ingratidão dele ao fugir de casa, e aí ela ia vender Jim de novo um pouco além rio abaixo. E, mesmo que não vendesse, é natural, todo mundo despreza um negro ingrato, e eles iam fazer Jim sentir esse desprezo o tempo todo, e assim ele ia se sentir ordinário e desgraçado.  (...) Por fim, quando pensei de repente que ali tava a simples mão da Providência estapeando a minha cara e deixando claro que a minha maldade era observada o tempo todo lá de cima no céu, enquanto eu roubava o negro de uma pobre velhinha que nunca tinha me feito mal, e me mostrando desse jeito que tem sempre Alguém vigiando que não vai permitir que esses atos desgraçados continuem por muito mais tempo, eu quase morri de tanto susto. Bem, tentei fazer o melhor que pude pra suavizar as coisas pro meu lado, dizendo que fui criado malvado, e assim não podiam me culpar muito, mas algo dentro de mim continuava a dizer:  “Teve a escola dominical, ocê podia ter ido, e nesse caso eles podiam ter me ensinado que as pessoas que fazem coisas como as que eu fiz com esse negro vão pro fogo eterno”.
Me deu um arrepio. Eu quase decidi rezar, pra ver se eu não podia deixar de ser o tipo de menino que eu era e melhorar. Aí ajoelhei. Mas as palavras não vinham. Por que não vinham? Não adiantava tentar esconder isso d’Ele. Nem de mim tampouco. Eu sabia muito bem por que elas não vinham. Era porque meu coração não tava direito; era porque eu não era certinho; era porque eu tava enganando os outros. Eu tava fingindo desistir do pecado, mas bem lá dentro de mim eu tava agarrado ao maior de todos os pecados. Eu tava tentando forçar a minha boca a dizer que eu ia fazer a coisa certa e correta, escrever pra aquela dona do negro e contar onde é que ele tava, mas bem no fundo de mim eu sabia que era mentira – e Ele sabia. Não dá pra rezar uma mentira – foi o que eu descobri.
(...)  Então comecei a pensar sobre a nossa viagem pelo rio, e vi Jim na minha frente, o tempo todo, de dia e de noite, às vezes com luar, às vezes tempestades, e a gente flutuando, conversando, cantando e rindo. Mas não sei como, não conseguia pensar em coisas pra endurecer o meu coração contra ele, só em coisas do outro tipo. Eu via ele fazendo o meu turno de vigia depois de completar o dele em vez de me chamar pra eu poder continuar dormindo; e via como ele ficou alegre quando voltei do nevoeiro; e quando retornei de novo pra balsa no pântano, lá onde tinha aquela rixa entre famílias; e outros tempos semelhantes; e ele sempre me chamava de meu fio e me mimava, e fazia tudo o que podia imaginar pra mim, e como ele era sempre bom; por fim lembrei daquela vez que salvei ele contando pros homens que a gente tinha varíola a bordo, e ele ficou tão agradecido, e disse que eu era o melhor amigo que o velho Jim já tinha encontrado no mundo, e o único que ele tinha agora.

Huck Finn viveu em uma época que pensar a favor de um negro era um insulto a sociedade e a Deus. A educação religiosa escravagista era real; muitos pastores, presbíteros e líderes religiosos tinham pessoas negras em sua casa como escravos. Logo, o dilema de Huck Finn é autêntico para seu tempo.

E, depois de ler este trecho eu fiquei pensando em como nossa vida religiosa é guiada por esteriótipos sociais que estão fora do que Cristo ensinou.
Quando a Bíblia é lida para colocar uma razão para aquilo que se quer - uma passagem bíblica fora de contexto, por exemplo -  acredita-se que ela é a vontade de Deus para uma determinada sociedade.
Antigamente, era comum que religiosos bebessem cerveja (ou qualquer outra bebida alcoólica) e fumassem; atualmente, esta prática é banida em muitas igrejas - apesar de alguns estarem voltando com o hábito de forma moderada.
Lutero foi um exemplo de quem questionou a conduta da sociedade clerical de sua época; ele decidiu agir fora de um padrão que não lhe pareceu correto.

Quantas outras condutas são praticadas hoje com fundamento "bíblico". Odiar ao próximo nunca foi um mandamento.




16 de março de 2017

Duas Providências..

Olá, abandonado leitor.

Esta manhã eu tirei uma folguinha, para ficar em casa fazendo qualquer coisa que me parecesse relaxante. Então, eu li.

Minha leitura atual é um livro de Mark Twain, chamado As Aventuras de Huckleberry Finn.

Durante a minha leitura, algo chamou minha atenção. 

Huck Finn é órfão de mãe e o pai é um bêbado ausente. Criado por uma viúva e sua sobrinha, Huck está sendo "civilizado". As duas mulheres tentam impor a Huck Finn uma educação moral, religiosa e escolar ao menino. 
A escola ele frequenta muito mal - depois de uma surra ele percebe que não é tão ruim ir estudar. A moral e os bons costumes ele aprende nas regras que a casa da viúva lhe impõe e, também, cabe as duas senhoras ensinar sobre religião ao selvagem menino.

Eu não vou entrar no mérito da questão do ensino religioso ou na "religião" em si, pois acredito que você leitor, entende o que isso significa.

E, para Huck Finn, as duas mulheres são bem distintas ao ensiná-lo sobre a Providência Divina. Ambas ensinam o que vivem e, na ideia do protagonista, parece que as mulheres falam de duas divindades distintas.
Às vezes a viúva me puxava prum lado e falava sobre a Providência de um jeito que dava água na boca; mas no dia seguinte, a srta. Watson assumia o comando e derrubava tudo de novo. Achei que dava pra ver que tinha duas Providências, e um pobre sujeito tinha uma grande chance de felicidade com a Providência da viúva, mas, se a Providência da srta. Watson pegava o cara, não tinha mais saída pro coitado. Pensei de todos os jeitos e decidi que eu ia ser da Providência da viúva, se ela me aceitasse, apesar de não conseguir descobrir como é que essa Providência ia me deixar melhor do que eu era antes, eu sendo tão ignorante, e tão inferior e desprezível.
"Dar água na boca", essa frase chamou minha atenção. Será que nosso evangelismo dá essa sensação àqueles que nos ouvem? Ou será que somos tão duros como a senhorita Watson e preferem o inferno ao seguir "ao Cristo que ela prega". O evangelho puro de Cristo deve dar água na boca dos ouvintes. O evangelho que mostra o Amor deve aproximar o ouvinte.
Hoje em dia é muito fácil ouvir uma evangelização que prometa mudar a vida para melhor: dinheiro, felicidade, bens materiais blá-blá-blá. E onde está o evangelho da Verdade?
Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. Mateus 22:37-39
 "Dar água na boca"! O evangelho simples e puro de Cristo. Nada mais precisa ser acrescentado: dinheiro, corrente para ser bem-sucedido, fitinha no pulso, dois ou três batismo para dar crédito a vida de fé... 

A sua vivência na fé dá água na boca? As pessoas ao seu redor vêem o viver de Cristo em sua vida? As pessoas a sua volta percebem a diferença que faz na comunidade? E, mesmo se ninguém notasse, a sua vida de fé continuaria a dar bons frutos?