23 de maio de 2012

..Foi uma delícia..

Alguns livros que leio me trazem vontades inusitadas.
Certo dia, enquanto lia Dom Quixote de La Mancha v.2, vi Sancho fazer um humilde piquenique regado a pão, queijo e vinho. Levantei da rede e fui até a cozinha preparar um pão quente, tamanha foi a vontade inspirada por escudeiro fiel do Cavaleiro da Triste Figura.

Antes de Sancho, no verão de 2009, eu estava deitada no chão lendo As Crônicas de Nárnia: O Cavalo e Seu Menino, quando a cena da refeição do cavalo me deu fome: aveia! Levantei, fui até o mercado próximo a minha casa e comprei uma lata de Neston. E até hoje, quando como esse prato digo: Huumm me deu vontade de cavalo!

E é sobre Nárnia que quero falar - mas deixando de lado minha vontade de cavalo. O engraçado é que enquanto eu lia Nárnia, minha mãe comentou com minhas irmãs: Eu não dou mais bola; se ela estiver chorando ou rindo: é por causa do livro!
E minha leitura de Nárnia foi regada a lágrimas e risos (e Neston).
Eu iniciei a leitura quando terminei o terceiro ano de Teologia; e durante a leitura pensei: porque não ensinar teologia de uma forma tão gostosa como CS Lewis estava ensinando!!? Sim, o autor escreveu um tratado teológico maravilhoso de uma forma muito doce e gostosa: feito para criança entender!
Lembro que um professor me deu uma advertência antes de eu iniciara leitura: é infantil. Ele fez isso pelo fato de saber que eu curto (e muito) os livros do amigo do CS Lewis, Tolkien e sua obra O Senhor dos Anéis!
E é o pueril que encanta em Nárnia; a simplicidade em algo tão complexo.

Em muitos trechos, Nárnia me fez refletir sobre minha vida de fé: eis o motivo das lágrimas e dos risos.
Quero registrar um dos trechos, que infelizmente o cinema em sua arte não pode ser fiel, que me deixou emocionada.

A cena é vivida em A Viagem do Peregrino da Alvorada, quando o chatinho do Eustáquio se transformou em dragão. Então, ele encontra Aslan e narra esse encontro à Edmundo. Leiam:

"Levou-me por um caminho muito comprido, para o interior das montanhas. E o halo sempre lá envolvendo-o. Finalmente chegamos ao alto de uma montanha que eu nunca vira antes, no cimo da qual havia um jardim. No meio do jardim havia uma nascente de água. Vi que era uma nascente porque a água brotava do fundo, mas era muito maior do que a maioria das nascentes - parecia um grande piscina redonda, para a qual se descia em degraus de mármore. Nunca tinha visto água tão clara e achei que se banhasse ali talvez passasse a dor na pata. Mas o leão me disse para tirar a roupa primeiro. Para dizer a verdade, não sei se falou em voz alta ou não. Ia responder que não tinha roupa, quando me lembrei que os dragões são, de certo modo, parecidos com as serpentes, e estas largam a pele. "Sem dúvida alguma é que ele quer", pensei.
Assim, comecei a esfregar-me, e as escamas começaram a cair de todos os lados. Raspei ainda mais fundo e, em vez de caírem as escamas, começou a cair a pele toda, inteirinha, como depois de uma doença ou como a casca de uma banana. Num minuto, ou dois, fiquei sem pele. Comecei a descer à fonte para o banho. Quando ia enfiando os pés na água, vi que estavam rugosos e cheios de escamas como antes. "Está bem", pensei, "estou vendo que tenho outra camada debaixo da primeira e também tenho que tirá-la". Esfreguei-me de novo no chão e mais uma vez a pele se deslocou e saiu; deixei-a então a lado da outra e desci de novo para o banho. E aí aconteceu exatamente a mesma coisa. Pensava: "Deus do céu! Quantas peles terei de despir?" Como estava louco para molhar a pata, esfreguei-me pela terceira vez e tirei uma terceira pele. Mas ao olhar-me na água vi que estava na mesma. Então o leão disse (mas não sei se falou): "Eu tiro a sua pele". Tinha muito medo daquelas garras, mas, ao mesmo tempo, estava louco para ver-me livre daquilo. A primeira unhada que me deu foi tão funda que julguei ter me atingido o coração. E quando começou a tirar-me a pele senti a pior dor da minha vida. A única coisa que me fazia aguentar era o prazer de sentir que me tirava a pele. É como quem tira um espinho de um lugar dolorido. Dói pra valer, mas é bom ver o espinho sair.
- Estou entendendo - disse Edmundo.
- Tirou-em aquela coisa horrível, como eu achava que tinha feito das outras vezes, e lá estava ela sobre a relva, muito mais dura e escura do que as outras. E ali estava eu também, macio e delicado como um frango depenado e muito menor do que antes. Nessa altura agarrou-me - não gostei muitos, pois estava todo sensível sem a pele - e atirou-me dentro da água. A princípio ardeu muito, mas em seguida foi uma delícia. Quando comecei a nadar, reparei que a dor do braço havia desaparecido completamente. Compreendi a razão. Tinha voltado a ser gente. Você vai achar um cretino se disser o que senti quando vi os meus braços. Não mais musculosos do que os de Caspian, eu sei que não são muito musculosos, nem se podem comparar com os de Caspian, mas morri de alegria ao vê-lo. Depois de certo tempo, o leão me tirou da água e vestiu-me". LEWIS, CS. As Crônicas de Nárnia de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada. Ed. Martins Fontes, SP, 2009, p. 451,452.

Olha o que entendi:

Existe no ser humano uma vontade enorme em se dar bem. E, faz parte de uma parcela da humanidade, querer buscar tudo, exatamente tudo, pelas próprias mãos. Isso inclui a salvação da alma.
Doações de alimento, roupa, trabalho voluntário de qualquer tipo para "comprar" seu pedacinho no céu.
Ou, fazer obras sem fim dentro e fora da igreja (sem amor) para convalidar a salvação.
E então eu cito as palavras de Salomão: E tudo é vaidade e correr atrás do vento!

A história de Eustáquio é semelhante a conversão cristã. Lewis pensou nisso também.
Não somos nós que buscamos a Deus, Ele vem ao nosso encontro (Lucas 19:10).
A salvação é uma via de duas mãos: Deus não irá fazer tudo sozinho por nós, é necessário querer! Eustáquio quis. Primeiro, ele tentou sozinho e foi inútil. Depois, Aslam chegou perto dele e ele sentiu que Aslam poderia fazer isso por ele, se Eustáquio quisesse.
Tentamos, de mil maneiras - consciente e inconsciente - usarmos nossos próprios meios para obter a vida eterna.
A história de Eustáquio também lembrou o retorno do filho pródigo (Lucas 15: 11 - 32): Ele se arrependeu e o pai não o recusou. O filho confessou seu pecado e foi aceito pelo pai com alegria, festa, aliança e roupa nova!

Mas eu digo: vida eterna todos teremos - uns a terão o sofrimento eterno, outros amor genuíno eternamente.
É muito comum ouvirmos alguém dizer quando alguém morre: Esse foi bom, vai para céu! (menos o Saramago - rs). Sempre achamos que todos devem ir para o céu: Kurt Cobain, Elvis Presley, Dercy Gonçalves, Chico Anysio, o bêbado da esquina, a prostituta do bairro, o pai ausente, o cara que vai todo domingo para a igreja, a senhora da OASE, o líder de jovens. Eu realmente não ponho minha mão no fogo por ninguém porque não conheço a vida espiritual delas - eu conheço a minha.
Um professor de teologia um dia contou que teremos três surpresas ao chegar no céu: A primeira será "Nossa! Ele veio!"; a segunda será "Nossa! Aquele não veio!" e a terceira será "Nossa! Eu vim!".

Não existe outro meio de chegar à salvação senão através de Cristo. Ele é o caminho, não existe atalho para a reconciliação com Deus. O homem fora do amor do Criador está morto. Jesus disse em João 14:6 "Eu sou o caminho, a verdade e a vida". Podemos tentar fazer de um jeito diferente, mas na verdade somente Cristo pode nos dar aquilo que nos falta, o essencial para nos religarmos ao Pai.

Quando Eustáquio permitiu que Aslam o tocasse, houve uma dor - que segundo ele foi boa pois aliviou outra dor maior que ele não conseguiu se livrar - o Leão o levou para o banho que ele tanto ansiava.
É precioso crer e ser batizado. Eu vi essa cena dessa forma. Crer é permitir que Deus nos toque com a garra do Leão e tire de nós a morte que nos separa de Deus; e o batismo é atestado de fé da conversão.

Eustáquio chegou na última festa realizada por Aslan. Ele entrou no estábulo que levava à Nova Nárnia! E você, quer entrar nesse estábulo e viver uma vida de alegria eterna?

Nenhum comentário:

Postar um comentário