6 de setembro de 2013

Olá, Morte ..

Antes de começar alguma coisa, preciso dizer: o texto abaixo não é um cortejo ao suicídio. ;)

Quando foi pedido um tema para o meu trabalho de conclusão de curso, eu pensei na morte. Não a morte em seu geral, mas em uma lugar específico: o paraíso.
Por pensarmos no Jardim das Delícias como algo tão lindo, perfeito(?) e harmonioso, algumas pessoas podem achar que lá não é o lugar da morte. A morte é feia, a morte lembra sofrimento, dor, angústia - e isso não combina com o Jardim de Deus.

Eu não penso assim. Eu defendo a tese que a morte no Jardim criado no Éden foi possível. Uma das questões levantadas foi a presença da Árvore da Vida (que não foi mais acessível após a queda da humanidade). Deixando de desfrutar (talvez literalmente) desta singular Árvore, o homem TEVE que morrer (Gn 2:17). É a sentença pelo crime de não cumprir uma ordem dada por Deus: não ter mais acesso à Vida plena (Gn 3:24).
Quando o mandamento foi quebrado, os olhos da humanidade se abriram e a ela ficou confusa. Houve vergonha da nudez, houve mentira, culpa etc - tudo em um mesmo "dia".

E, então, os olhos se abriram. Porém, aquilo que era para ser algo bom tornou-se o caos. Não era possível explicar as coisas ao redor - muita informação para pouco "QI".

E a Árvore da Vida ficou para trás. Essa árvore que fora responsável pela vida plena agora é um sonho bom que ficou na lembrança. E, restou a morte.

Para mim, a morte era algo bom no Jardim. Somente quando houvesse compreensão sobre a vida - seja lá como ela era ou é - o indivíduo poderia abnegar o direito de viver "para sempre" e se entregar a morte. Ela não era uma coisa ruim, mas mais uma etapa da vida. A humanidade do Jardim vivia no planeta Terra, sob o mesmo sol que nós, porém, em condições melhores. Aqui não é o céu; mas o Jardim foi um lugar repleto de bençãos para tornar a vida algo muito bom - por um longo tempo.

E a morte se tornou desespero.

Sem a compreensão sobre a morte, o ser humano viu essa etapa da vida como um castigo.
Um escritor, por quem sou apaixonada, conta em sua livro sobre um povo que buscava a vida eterna. Esse povo desconhecia, como relata o autor, a benção da morte. Morrer significa cumprir uma etapa. Morrer permite que o homem descanse do mundo.
Estou falando de JRR Tolkien e o relato em seu livro "O Silmarillion" - uma bela obra prima. Vou deixar um trecho abaixo:

"Ora, esse desejo [imortalidade] foi crescendo cada vez mais com o passar dos anos. E o numenorianos começaram a ansiar pela cidade imortal que viam ao longe; e ficou mais intenso em seu íntimo o desejo pela vida eterna, de escapar à morte e ao final dos prazeres. E quanto mais cresciam seu poder e sua glória, mais aumentava a inquietação. (...)
- Por que os Senhores do Oeste ficam lá, sentados em paz eterna, enquanto nós precisamos morrer e ir não se sabe para onde, deixando nossa casa e tudo o que fizemos? E os eldar não morrem, nem mesmo os que se rebelaram contra os Senhores? E já que dominamos todos os mares, e não existe oceano tão revolto ou tão vasto que nossos barcos não consigam transpor, por que não deveríamos ir a Avallónë e lá cumprimentar nossos amigos? (...)
- E vocês dizem que foram punidos pela rebelião dos homens, da qual pouco participaram e que é por isso que morrem. Mas a morte não foi de início estabelecida como uma punição. É por ela que vocês escapam, deixam o mundo e não estão vinculados a ele, seja na esperança, seja no enfado. Qual de nós portanto deveria invejar o outro? (...) E o Destino dos Homens, de que deveriam partir, foi de início uma dádiva de Ilúvatar. Tornou-se um pesar para eles somente porque, tendo caído sob a sombra de Morgoth, pareceu-lhes que estavam cercados por uma enorme escuridão, da qual sentiam medo. E alguns se tornaram voluntariosos e orgulhosos, decididos a não ceder, até a vida lhes ser arrancada. Nós, que suportamos a carga sempre crescente dos anos, não entendemos isso com clareza; porém, se essa mágoa voltou a atormentá-los, como vocês dizem, então tememos que a Sombra surja mais uma vez e volte a crescer em seus corações. Portanto, embora vocês sejam os dúnedain, os mais belos dos homens, que escaparam da Sombra de outrora e lutaram bravamente contra ela, nós lhes dizemos: Cuidado! A vontade de Eru não pode ser contrariada" (TOLKIEN, JRR.,O SILMARILLION, p.335 - 337, Ed. Martin Fontes, São Paulo, 2002)


Alguns esclarecimentos indispensáveis: "Morgoth", para quem leu ou assistiu (meus pêsames) a trilogia de O Senhor dos Anéis, é o "chefe" de Sauron. Morgoth ou Melkor, foi um dos Valar (seres superiores) que se revelou contra Eru.

"Eru" é o criador de Arda e dos Valar (seres imortais, habitantes de Valinor, as terras imortais).

"Avallónë" é uma das cidades mais próximas de Valinor.

Porém, ao abrir mão da presença de Deus (3:8) o homem viveu ao seu bel prazer. Afastado de Deus houve o cansaço, a fome, a fadiga, dores, mentira, assassinato. Agora, a morte mostrou a sua parte ruim. A parte onde ela não é bem vinda. Agora, o homem está a merce do mau do próximo. A vida é abandonada pela doença, tirada pela mão do próprio homem. A morte mostra sua outra face - o conhecimento que o homem não estava autorizado a ter, mas tomou para si.
Tudo, depois da queda, foi visto como ruim - ou, pelo menos, a maioria das coisas; principalmente morrer tornou-se um fardo enorme para se carregar. Ela está à espreita. Está em cada esquina esperando pelo sinal. Está no seio familiar. Está cortejando a vida e a seduzindo esperando que ela caia em seus funestos braços.

Talvez, a morte no Jardim das Delícias fosse como aconteceu com Enoque (Gn 5:24). Realmente, não faço ideia de como foi morrer no Paraíso - caso alguém tenha experimentado essa parte da existência humana. Porém, nossos olhos estão novamente abertos, pois, através de Cristo podemos ter o conhecimento que foi defeso.
Eu também defendo a ideia de que Cristo é o exemplo da perfeita entrega à morte. Apesar da aflição (Mt 26: 37 - 39) ele viu além da morte. Soube que seu sacrifício não seria em vão, que há algo além da morte e a venceu.

Acho que era isso que eu tinha a dizer. Provavelmente, farei algumas possíveis inclusões, pois é um assunto que adoro fuçar aqui e ali.

Até.

Nenhum comentário:

Postar um comentário